Apesar de prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) enquanto um direito fundamental, a educação não tem sido garantida de maneira efetiva a adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no País. De acordo com análise do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco, além do Distrito Federal, possuem unidades de cumprimento de medidas com jovens acima da capacidade permitida prejudicando o ensino.
“A maioria das unidades são antigas, e isso faz com que elas não tenham infra-estrutura adequada”, explica o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Reinaldo Cintra. Outro problema, observado no Distrito Federal, é a falta da quantidade necessária de professores. “A educação é relegada ao segundo plano. Normalmente, devido às inúmeras dificuldades, os professores não estão lá por opção”, complementa o juiz.
O juiz Reinaldo Cintra do CNJ fala sobre o futuro dos jovens que cumprem medidas socioeducativas diante dos problemas existentes nas unidades de internação. Ouça
Segundo levantamento nacional divulgado pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) em novembro de 2010, o Brasil possuía 17.703 adolescentes cumprindo medidas de restrição e privação de liberdade. Esse número é 4,5% maior do que no mesmo período em 2009, quando 16.940 adolescentes encontravam-se nessa situação. O impacto dessa diferença foi maior no estado de São Paulo, onde estão 77% dos jovens desse aumento (588 dos 763 no total).
Na tentativa de solucionar os problemas existentes nas unidades de internação, segundo o documento da Secretaria, o governo federal nos últimos oito anos financiou 80 obras num total de R$ 198 milhões, abrindo 2.000 novas vagas no sistema e possui a previsão de continuar apoiando os estados na estruturação e adequação da rede física.
Preconceito
Outro problema que impede que o direito à educação seja garantido é o preconceito da sociedade com os jovens que cumprem algum tipo de medida socioeducativa. Em São Paulo, o Ministério Público instaurou um inquérito civil para investigar os casos em que adolescentes que cumprem medida socioeducativa encontram dificuldades de inserção ou permanência em escolas.
“A Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (SMADS), que é responsável pela execução de medidas em regime semi-aberto, informou que existe um número razoável de adolescentes nessa situação. Porém, não deu detalhes da informação”, afirma o promotor do Grupo de Atuação Especial de Defesa da Educação (Geduc) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) João Paulo Faustinoni e Silva.
O inquérito civil foi aberto devido a uma denúncia feita pela ONG Crê Ser, que atua com adolescentes em regime de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade no bairro Cidade Ademar, em São Paulo, e que afirma que dois adolescentes foram rejeitados pela escola estadual Martins Pena, localizada na zona sul da cidade, por meio da não efetivação da matrícula ou transferência repentina. Além disso, haveria pelo menos outros 19 casos semelhantes aos que foram denunciados por essa organização.
“No primeiro dia de aula, um desses adolescentes soube que estava numa lista de 21 alunos transferidos para outra escola municipal à revelia. Na escola para onde ele havia sido transferido, a diretora não tinha conhecimento sobre a transferência. Da lista, pelo menos outros três adolescentes também cumprem algum tipo de medida. O outro adolescente acompanhado por nós teve sua mãe impedida de realizar a matrícula na escola”, conta César Barros, orientador social da ONG Crê Ser.
Questionada sobre o assunto, a SMADS afirmou em nota que mantém 54 convênios para serviços de medidas socioeducativas em meio aberto, com capacidade para atender 5.445 jovens. Alguns destes adolescentes inseridos nos serviços de medida socioeducativa não têm acesso à escola por motivos como defasagem entre a série e idade, evasão do processo escolar, entre outros fatores. Os técnicos também observam que muitos não fazem o cadastro na escola e perdem o ano letivo. A informação do preconceito vem da percepção dos próprios adolescentes e familiares que verbalizam o fato aos técnicos que acompanham o serviço.
Segundo o promotor João Paulo, além da batalha pelo acesso à educação, há também outros desafios a serem superados. “Precisamos de um ensino de qualidade, que saiba lidar com a diversidade de alunos. A escola precisa acolher esse adolescente, mostrar que acredita que ele pode ser reinserido na sociedade e, assim, garantir o seu direito”, acredita ele.
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